Meia revogação do NEM? Vitória do movimento pela revogação do NEM? Que historieta é essa?
- By: editoral
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Após 60 dias de suspensão do cronograma de implantação do Novo Ensino Médio (NEM) o Governo Lula-Alkimin, por meio do Ministério da Educação (MEC), divulgou os resultados da consulta pública que fora realizada com o fim de reavaliar e reestruturar esta política nacional amplamente questionada e criticada pelas professoras e professores brasileiros.
Resgatemos o NEM e sua trajetória de concepção e implementação:
A reformulação do Ensino Médio foi criada como uma medida provisória e aprovada como Lei n° 13.415 em 2017, durante o governo Temer (vice de Dilma, impedida de concluir seu mandato por um processo de impeachment).
Desde sua apresentação, a reforma enfrentou críticas pela falta de diálogo com especialistas em educação, notadamente da universidade e dos estudantes. A ausência de discussões democráticas levou a uma medida autoritária, segundo críticos.
O processo de implementação iniciou-se em 2022, abrangendo tanto escolas públicas quanto privadas e desferiu forte ataque ao já combalido ensino médio pré-existente notadamente nas disciplinas de formação do pensamento crítico nas novas gerações.
Nem mesmo a pandemia de Covid-19 “foi páreo” para tal reforma, muito menos os ensaios de resistência dos profissionais da educação, por meio de seus sindicatos e organizações e também o movimento estudantil. As críticas postas chegaram, no muito, a condição de mero protesto e a reforma avançou para cima da escola a passos largos. Logo, logo itinerários formativos foram anunciados pelo país a fora e um sem número de novas “áreas de conhecimento”, de caráter duvidoso, começaram a ser notícia nos meios de comunicação.
Delineamento central do novo NEM antes do processo de consulta pública:
a) Supressão de Disciplinas e forte apelo à educação à distância: o cerne deste ataque substituiu disciplinas tradicionais por áreas do conhecimento integradas contraindo, na prática, a formação crítica dos estudantes.;
b) A carga horária obrigatória pode ter aumentado, mas isso é só uma falsa impressão de qualidade pois a educação à distância deu um salto quantitativo na experiência curricular já tão fragilizada com as condições de oferta e manutenção das condições efetivas de ensino: ausência de acesso à internet, problemas estruturais com escolas resumidas à salas de aulas sem laboratório e inclusive bibliotecas;
c) Somada à exclusão digital e a bem conhecida precarização da educação, os impactos do novo NEM fora dos grandes centros são todos negativos, cidades menores conseguiriam ofertar de fato quais itinerários formativos? No caso dos grandes centros urbanos, as escolas periféricas e mais distantes teriam dificuldades parecidas às das escolas em cidades menores, ou seja, o grande “diferencial” do novo NEM não permitiria de fato que prometeu e o que vimos, em várias escolas foi a professora/o professor de literatura que perdeu carga horária assumindo a disciplina Projeto de Vida, e isto para citar apenas um exemplo;
d) Some-se a isso a questão do financiamento ( enquanto escrevemos essa reflexão assistimos a um dos mais severos cortes de verbas para educação na história da democracia brasileira operada pelo Governo Lula-Alkimin) pois com os limites financeiros os itinerários formativos seriam, no máximo, uma historieta.
O “novo novo” NEM pós consulta pública pelo MEC
Durante a suspensão de 60 dias, foi realizada a consulta pública com a sociedade civil, visando a coleta de opiniões de estudantes, professores e gestores. As universidades, públicas e privadas, não foram chamada formalmente pelo MEC (mantenedor das universidades federais, centros federais e institutos federais que formam professoras e professores) para participar deste processo, o que é revelador de um caráter de suspeição de inúmeras pesquisas e discussões da área de formação de professores que são extremamente críticos a esta política reformista.
Após 12 webnários, 04 audiências públicas, 05 seminários da ANPED, 01 Encontro Nacional de Estudantes, 16 entidades ouvidas pelo MEC e 07 documentos oficializados junto a este ministério, e duas consultas on line (uma na Plataforma Participa + Brasil e outra via whatsapp o atual governo foge da reivindicação política de revogação do novo NEM e apresenta, em 12 pontos, o “novo novo” NEM.
Para alguns, apoiadores deste governo, os 12 pontos são uma “meia revogação”, para outros, críticos desta política, os 12 pontos são maquiagem, perfumaria, misancene e o “novo novo” NEM de novo não tem nada, na verdade, é um aperfeiçoamento reformista do ataque formatada em 2017.
Esclarecendo o resultado da consulta pública em miúdos:
- Carga horária: De 1.800 horas para algo entre 2.100 e 2.400 horas para a Formação Geral Básica dos estudantes. A perspectiva de anunciar a possiblidade de aumento da carga horária é um acerto para agradar aos críticos pois somada aos itinerários o EM seguirá sendo de três anos quando já se discute no país a sua necessária ampliação para quatro anos. Há menção ao implemento da oferta do ensino médio na modalidade integral mas sem indicar um delineamento mínimo de quantas escolas no curto, quantas no médio e quantas no longo prazo e isto em um cenário de parcos recursos;
- Organização curricular: os itinerários formativos, agora chamados “percursos de aprofundamento e integração de estudos”, e seus problemas de implantação são timidamente reconhecidos, mas seguem intactos, o que faz do “novo novo NEM” o mesmo de antes.
- Exame Nacional do Ensino Médio: Maior valorização da Formação Geral Básica o que denota que os itinerários, para efeitos propedêuticos, ou seja possibilitar que o estudante chegue até a universidade cumprem o mesmo objetivo do ataque da ditadura empresarial-militar que em 1971 transformou o então ensino de segundo grau em obrigatoriamente profissionalizante. Para a maioria o trabalho mal remunerados pós má formação profissional.
- Equidade Educacional, Direitos Humanos e Participação Democrática dos Estudantes: Reconhecer que o NEM desconsidera a diversidade de estudantes e de suas regiões não é mérito algum e há nisto apenas, e tão somente apenas, a afirmação de que assim será, pois, a ausência de respeito à diversidade tem relação direta com a BNCC que fora sistematizada para evitar no chão da escola novas jornadas de junho com a de 2013.
- Educação à Distância: A período pandêmico recente mostrou o gargalo de nossas condições objetivas para que haja, mesmo que idealmente, alguma qualidade na educação à distância. A possiblidade de que uma carga horária mínima seja aprovada abre no ensino médio o mesmo processo que ocorreu no ensino superior brasileiro que iniciou com 20% e hoje já atinge 40%. A anunciada vedação a esta modalidade no ensino médio propedêutico e sua limitação a 20% na modalidade profissionalizante reproduz o que já descrevemos ter acontecido no ensino superior.
- Infraestrutura: Que as escolas públicas brasileiras têm problemas de infraestrutura todos nós estamos cansados de saber e seguimos lutando por maior percentual do PIB para a educação pública. O Governo Lula-Alkimin aponta para a necessidade de construção de uma política de investimentos articulada entre o governo federal e os governos estaduais, porém, cortando recursos da educação. Outro ponto sobre a infraestrutura é a não existência de integração e claro distanciamento entre escolas federais, escolas estaduais e também escolas municipais que ofertam o ensino médio em claras condições díspares. Anunciar a necessidade de uma política de investimentos articulada é a velha forma de empurrar para frente o enfrentamento do problema do mau financiamento da educação no país.
- Educação Profissional e Tecnológica: A formação profissionalizante, com exceção da oferta na rede federal onde se dá formação pedagógica aos profissionais vindos de outras áreas que se convertem em professores, é um grande nó. Um dos aspectos deste nó é a baixa integração entre formação geral e formação profissionalizante e a depreciação de que a formação profissionalizante seria de menor valor em relação aqueles estudantes que buscam no ensino médio as condições para chegar à universidade, notadamente a pública. O problema da formação destes profissionais para a docência segue tendo como proposta de resolução a regulação do “chamado notório saber” e ataca diretamente os esforços que estão em curso para garantir a formação pedagógica de diversos profissionais que se converteram professores na educação profissional e tecnológica.
- Formação e valorização dos professores: Existem pontos de relação direta entre a reforma do ensino médio é a regulação da formação inicial e contínua das professoras e dos professores dentro e fora da universidade. A chamada BNC formação representa no ensino superior a mesma guinada alienante que se vê no NEM. A não revogação do NEM aponta também para a não revogação da BNC formação.
- Política de permanência: A conclusão desta etapa é um problema bem conhecido, a evasão escolar, notadamente na escola noturna que atende os estudantes já trabalhadores (ineridos em inúmeras condições indignas de trabalho que concorrem com sua dedicação aos estudos) é uma realidade no Brasil. O anúncio de uma bolsa/poupança escorrega novamente no cenário do mau financiamento e mais objetivamente no principal problema do capitalismo brasileiro: a péssima distribuição de renda. Junto a isto levanta-se a questão se uma política de bolsa ou poupança (?) faria diferença significativa ou se seria apenas “para inglês ver” que alguma coisa está sendo feita. Pelo país a fora se tem notícias de estudantes aguardando vaga para poder cursar o ensino médio nas escolas onde não há seleção de ingresso e um número expressivo de estudantes que não conseguem acessar as chamadas melhores escolas que usam da seleção para oficializar uma verdadeira segregação escolar.
- Tempo integral: Educação integral em tempo integral sem excluir os que cada vez mais cedo são chamados a ingressar no mundo do trabalho em condições indignas. Como garantir Educação integral em tempo integral sem massivos investimentos na educação pública? Converter parte das escolas em escolas de jornada expandida não é instituição de tempo integral. As demandas infra estruturais vão dos banheiros que precisam ser vestiários até as mesas em meio ao pátio onde estudantes merendam em pé que precisam se converter em refeitórios dignos e isso só para apontar dois elementos básicos de uma jornada na escola que tenha dois períodos: a higiene pessoal e a alimentação dos estudantes.
- Avaliação: A ênfase nas boas práticas estaduais revela uma possível negação e invisibilidade de boas práticas na rede federal de ensino, como se ela não existisse e não apresentasse bons resultados em termos de terminalidade além de acesso ao ensino superior público. O ensino médio na rede federal de ensino tem professores com jornadas de trabalho melhores que a maioria dos professores nas redes estaduais e no distrito federal. A relação entre as condições de trabalho dos docentes e a boa e sólida formação dos estudantes é objeto de um sem número de pesquisas pelo país a fora. Segundo dados da matrícula de estudantes na educação básica (Censo Escolar 2022) sendo as escolas estaduais as que mais atendem este público (84,2%) seguida pelas escolas privadas (12,3%) e por último as escolas federais (3%).
- Papel do MEC: O ministério parece não ser mantenedor de rede própria e caberia a ele articular os demais atores (centralmente as redes estaduais) na direção da instituição do Sistema Nacional de Educação, que diferente da área da saúde e da assistência não é unificado e centrado na oferta pública como são o SUS e o SUAS. Coordenar e normatizar a Política Nacional do Ensino Médio é pouco para o MEC que pode e dever atuar com maior efetividade no cumprimento do preconizado no cenário legal brasileiro: o direito de todos à educação de qualidade notadamente pública como defendemos já desde muito tempo.
Posição da Aliança Revolucionária dos Trabalhadores – ART sobre o direito à um ensino médio de qualidade para o conjunto dos jovens brasileiros:
- Exigimos a imediata revogação do NEM (incluindo o que estamos chamando aqui de “novo novo NEM”);
- Exigimos a suspensão dos cortes impostos à educação, alocação de mais verbas para a área exclusivamente para as escolas públicas;
- Exigimos um plebiscito e a construção de uma proposta ensino médio com base na politênica, com forte vínculo com a produção do conhecimento científico partindo da realidade vivida pelos estudantes;
- Exigimos bolsa de um salário mínimo para garantir efetivamente a necessária dedicação aos estudos dos jovens brasileiros evitando assim seu ingresso precarizado e precoce no mundo do trabalho;
- Exigimos que professoras e professores da educação básica possam ter regime de dedicação exclusiva vinculando-se de modo orgânico à uma escola, com salário digno e planos de carreira que valorizem o trabalho didático efetivamente;
- Exigimos a implantação da gestão democrática da escola com eleição direta pela comunidade escolar de seus gestores tendo como base o compromisso a qualificação constante tanto da oferta quanto da manutenção das condições de acesso, permanência e conclusão.