Venezuela: defender as liberdades democráticas dos trabalhadores e derrotar os dois blocos burgueses pró-imperialistas

Venezuela: defender as liberdades democráticas dos trabalhadores e derrotar os dois blocos burgueses pró-imperialistas
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Desde a campanha eleitoral para a escolha de um novo presidente na Venezuela, a velha contenda entre os chavistas e a oposição de direita, sobre o resultado eleitoral, voltou como um museu de grandes novidades.

Assim que foi anunciado o suposto resultado da eleição presidencial pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a oposição de direita, que um dia já foi representada por Enrique Cápriles, por Juan Guaidó e que agora é representada por Edmundo González e Maria Corina Machado, não tardou em afirmar que o resultado eleitoral anunciado oficialmente é uma grande fraude, que em verdade, o vencedor do pleito seria Edmundo González. Evidentemente que tamanha gritaria direitista não teria eco nos rincões mais remotos da Terra, se o imperialismo estadunidense e seus tentáculos na América Latina não lhes servissem como megafone.

Diante disso e como resposta automática e bastante desgastada, o chavismo em sua fase madura, quase em putrefação, não hesitou em colocar na vitrola o seu velho disco riscado, ou seja, afirmar que as eleições foram limpas, que a corrente política  que governa o país (há 25 anos) segue amada pelo povo apesar da fome, da repressão estatal e paramilitar, da inflação que corrói os salários e do imenso êxodo que ultrapassa mais de 5 milhões de refugiados venezuelanos pelo mundo, e que assim toda a agitação política no país não passaria de uma mera sabotagem estadunidense. Por suposto que para tanto, Nicolas Maduro e a boliburguesia (burguesia bolivariana) a qual ele representa, também contaram com seus próprios ventríloquos, entre os quais se destacaram os quixotescos nacionais-desenvolvimentistas, os velhos e novos estalinistas, cujo internacionalismo inclui a função de espalhar pelo mundo que a Venezuela chavista é quase o reino dos céus desenhado nas cartilhas dos Testemunhos de Jeová, e se destacaram, decisivamente, a mão armada da diplomacia russa, e do imperialismo chinês que, de pronto, reconheceram a suposta vitória de Maduro.

Em meio a tamanha querela, os movimentos sociais e os partidos políticos de esquerda se dividiram entre aqueles que reafirmam o discurso de fraude eleitoral, anunciada em tom apocalíptico pela direita pró-EUA, e aqueles que insistem que o Mundo Vindouro fora implementado na Terra pelo chavismo e que seu nome é o tal socialismo do século XXI. Presos tristemente à expressão fenomênica da realidade, ou seja, ao mero resultado eleitoral que pode ou não ter sido fraudado, esses dois campos da esquerda não conseguem enxergar o que veem, e por isso capitulam direta ou indiretamente aos dois blocos burgueses em disputa e consequentemente reproduzem os discursos imperialistas representados em cada um desses blocos.

Por isso, se nessa cortina de fumaças há pouca visibilidade para saber quem foi realmente o bloco burguês vencedor do pleito, a asfixia política e social na qual sobrevive a classe trabalhadora venezuelana não deixa margem para duvidar que é ela quem segue como a principal derrotada há pelo menos duas décadas e meia.

A natureza bonapartista do regime político e o projeto também autoritário da direita

Ao contrário da maioria das organizações de esquerda que tomam a manifestação imediata da realidade como se fosse a própria determinação da realidade, isto é, que observam o processo eleitoral em si mesmo elucubrando posições que reforçam um dos campos burgueses, nós da Aliança Revolucionária dos Trabalhadores optamos em colocar luz sobre as condições históricas, sociais e políticas que formam o conjunto de determinações que subjaz nas disputas eleitorais e, principalmente extra eleitorais que estão colocadas na Venezuela.

Como resultado distorcido da insurreição popular de 1989 que ficou conhecida como Caracazo, a Venezuela sofreu nos últimos 25 anos uma extraordinária mudança no bloco de poder do Estado que resultou no atual regime político. As demandas populares que levaram milhões de trabalhadores às ruas, e que custaram a vida de milhares de lutadores, foram capturadas, distorcidas e domesticadas por um conjunto de militares de alta patente que perceberam na insatisfação popular a oportunidade de substituírem o antigo bloco burguês que dominava o Estado – o então chamado Pacto de Punto Fijo. Com isso, esses militares buscaram ocupar o aparato do Estado enquanto uma nova força social e política que administraria a principal fonte de riqueza do país – o petróleo – e enriqueceria a partir dela. A personificação desses milicos ávidos em se transformarem em uma nova fração burguesa (a boliburguesia ou burguesia bolivariana) seria ninguém menos que Hugo Chávez um militar do alto escalão do exército venezuelano, e seu braço direito Diosdado Cabello, outro militar que se tornaria o símbolo da boliburguesia, enriquecida pela renda do petróleo e por negócios ilícitos.

Da mesma forma como aconteceu em períodos anteriores em outros países da América Latina, o abalo sísmico provocado pela substituição de uma fração burguesa por outra no bloco de poder do Estado, não aconteceria sem grandes tensões na Venezuela. No âmbito nacional, diante da necessidade de enfrentar qualquer reação da fração burguesa derrotada, mas que contava com o apoio dos EUA, a ponto de planejar e executar, em 2002, uma tentativa de golpe de Estado, o chavismo precisou se apoiar no movimento de massas para derrotar a oposição burguesa que estava a se constituir. Daí a verborragia pseudosocialista e a formulação de alguns programas sociais de combate à pobreza que hipnotizaram um amplo setor da esquerda (dos estalinistas do PCV aos grupos trotskistas como o Marea Socialista). Enquanto isso, no âmbito internacional, o chavismo, ciente que sem se aliar às forças burguesas capazes de fazer frente ao imperialismo estadunidense, não se manteria no poder, buscou não somente aliados regionais, como se aproximou de países importantes como a Rússia, o Irã e, do imperialismo chinês, como ficou explícito nos diversos acordo assinados entre Venezuela e China, desde 2011 para a exploração dos recursos naturais do país sul-americano.

No campo interno, a resultante disso foi que a necessidade chavista em silenciar a oposição burguesa usando para tanto os movimentos de trabalhadores, logo se transformou na necessidade de silenciamento de toda e qualquer oposição, inclusive e sobretudo aquela advinda de organizações sindicais e partidárias da própria classe trabalhadora que não se submetesse ao chavismo, como foi o caso das organizações que não entraram no PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) ou que romperam com ele.

Não por acaso, entre 2013 e 2023, quando o chavismo enfrentou a maior crise política, com a morte de Hugo Chávez, combinada com a sua maior crise social, provocada, entre outras coisas, pela queda do preço do petróleo que enfraqueceu consequentemente os programas sociais de combate à pobreza, o regime bonapartista venezuelano, sob o comando de Nicolas Maduro, não hesitou em encarcerar 120 líderes sindicais e criminalizar judicialmente 3.479 trabalhadores considerados opositores, provocando inclusive o chamado de ampla campanha internacional em solidariedade ao movimento sindical venezuelano, encabeçado pela Central Unitaria de los Trabajadores de Venezuela (CUTV).

Por outro lado, como qualquer força política burguesa periférica, sob o risco de ser derrubada por uma das forças imperialistas que hegemoniza a política mundial, o chavismo pouco a pouco transformou o seu alinhamento político ao imperialismo chinês em alinhamento econômico. Sua resposta ao embargo econômico estadunidense e à queda do preço do petróleo, foi transformar a Venezuela em uma colonial de recursos naturais explorada pela China, tendo a boliburguesia como sua sócia menor e endividar o Estado com imensos empréstimos com bancos chineses, que ultrapassam a cifra de 50 bilhões de dólares.

Uma das maiores expressões do caráter pró-imperialismo chinês da boliburguesia chavista, foi a concessão feita por meio do decreto presidencial nº 2.248 assinado por Nicolas Maduro, em 2016, para as grandes empresas chinesas (Yankuang Group, Citic Group, China Fullgain, etc.) explorarem o chamado Arco Mineiro do Orinoco, uma área de mais de 111.843 km (12% do território da Venezuela), localizada em uma das regiões minerais mais ricas da Amazônia venezuelana. Legalizada como uma Zona Econômica Militar, o Arco Mineiro do Orinoco, que foi planejado durante o Governo Chávez, e executado durante o Governo Maduro, se transformou em um dos paraísos extrativistas das empresas chinesas que atuam em parceria com inúmeras mineradoras ilegais que lhes fornecem, sem taxação e sob brutal superexploração do trabalho, diversos minerais estratégicos para a produção de semicondutores e produtos eletroeletrônicos, enquanto são literalmente protegidas por militares e paramilitares que não somente controlam qualquer revolta dos trabalhadores das minas, como expulsam os povos originários da região, recebendo por isso a autorização legal de participação na comercialização dos minerais da região.

É nesse cenário de acirramento de disputa interimperialista entre EUA e China pelos recursos naturais da Venezuela e de agravamento social que podemos verificar a olho nu o custo político e histórico do duplo enfraquecimento da esquerda venezuelana, provocado pela cooptação ou pela repressão do chavismo, ao longo de duas décadas. Afinal, foi esse enfraquecimento que abriu caminho para que a oposição de direita pró-yanque se fortalecesse e se reaproximasse de forma oportunista das massas, se colocando agora como sua suposta porta-voz.

 E é aqui que também se desnuda o caráter mais cínico da oposição de direita e seu discurso de fraude eleitoral. A direita pró-estadunidense sempre soube que, sob o regime bonapartista do chavismo, as eleições burguesas (sejam as atuais como as anteriores) não poderiam acontecer sob condições normais de um regime democrático burguês típico. Nunca foi novidade para os opositores burgueses que o regime político existente na Venezuela é autocrático e que em tal circunstância não há eleições livres. Mas por qual razão, então apesar disso, a direita apostou nas urnas como meio de fazer oposição à Maduro? Por uma simples razão, porque para a burguesia clássica venezuelana, representada por Edmundo Gonzáles e Maria Corina Machado, o que interessa é a mudança de governo e não a mudança de regime político. Ou seja, interessa derrotar Maduro, mas não o caráter autoritário do regime político que mantém centenas de lideranças sindicais encarceradas. Afinal, tal oposição, assim como Maduro, sabe bem que sem medidas de repressão é impossível garantir que os interesses da burguesia sejam realizados tranquilamente em um cenário de crise social extrema.

É por isso, que a única reclamação da oposição burguesa se restringe à denuncia de fraude eleitoral, é por isso que suas palavras de ordem não se estendem à libertação dos presos políticos vinculados à classe trabalhadora, à proteção aos territórios indígenas e cimarrones, é por isso que essa oposição capitalista nunca denunciou as restrições políticas que foram impostas às organizações partidárias de esquerda que se propuseram a denunciar o Governo Maduro, e é por isso que a dita oposição pró-EUA tenta desesperadamente negociar com os militares uma possível saída de Maduro sem alteração do regime, como ficou explícito nos bastidores do chamado Acordo de Barbados, realizado no final de 2023.

Construir uma saída imediata e classista para os trabalhadores venezuelanos

Perante tudo isso, fica evidente que a tarefa dos trabalhadores venezuelanos e latino-americanos não é se aliar a algum dos campos burguês em disputa, pois cada um desses campos não somente representa as peleias intereimperialistas na Venezuela, como também ambos possuem um acordo tácito de preservação do regime político autoritário que custou a liberdade e vida de centenas de lideranças populares e sindicais. Consequentemente, não nos cabe entrar na armadilha sobre qual campo burguês foi ou não vitorioso em uma disputa eleitoral que em si mesma não ocorreu sob condições minimamente democráticas nem mesmo no limitado padrão burguês. Sob uma perspectiva classista e socialista, o que resta aos trabalhadores e seus aliados, ou seja, os povos originários da Venezuela, é encontrar uma saída imediata que os permita superar a derrota histórica que o chavismo os submeteu e que a oposição de direita deseja manter caso retome o poder.

Nesse sentido, defendemos que as organizações da classe trabalhadora, como a Central Unitaria de los Trabajadores de Venezuela (CUTV), a Frente Nacional de Lucha de la Clase Trabajadora (FNLCT) e outras organizações populares independentes que buscam organizar a luta dos trabalhadores e dos povos indígenas e cimarrones, convoquem manifestações de ruas não para defender um mero resultado eleitoral ocorrido sob uma ditadura, mas sim manifestações exigindo o afastamento de Nicolas Maduro e o afastamento de toda a cúpula militar que ocupa o poder, a prisão de todos os direitistas que desde 2002 tentam organizar um golpe reacionário no país, manifestações que impulsionem a liberdade imediata de todas as lideranças e ativistas sindicais e populares, que levante a bandeira imediata de defesa de uma nova Assembleia Constituinte, convocada, organizada e eleita pelas organizações da classe trabalhadora, a partir de comitês de bairros, comitês de fábricas e escolas, e que tenha como centro a garantia efetiva das liberdade democráticas, a punição de todos os militares e paramilitares que ordenaram ou praticaram torturas, perseguições e assassinatos contra lutadores sociais, extinção de todos os processos de perseguição e criminalização contra os trabalhadores e suas organizações, revogação de prisões e mandatos de prisão contra ativistas e lideranças do campo sindical e popular, a reversão da exploração dos recursos naturais do país, atualmente explorados por grandes empresas imperialistas, a demarcação imediata dos territórios indígenas e cimarrones, impedindo qualquer tipo de exploração comercial de seu solo e subsolo por terceiros, e a legalização de várias organizações da oposição de esquerda atualmente mantidas na clandestinidade pelo regime de Nicolas Maduro. Enfim, que as organizações dos trabalhadores convoquem o povo às ruas para combinar as mais mínimas liberdades democráticas com as demandas econômicas e sociais do proletariado venezuelano, ou seja, salário, emprego, pão e terra. Essas são as condições mínimas para que o valente proletariado venezuelano possa retomar sua tarefa histórica, isto é, construir um partido realmente revolucionário que a ajude a varrer definitivamente todo e qualquer entulho burguês que atrofia as veias sociais, políticas e econômicas do país, e que possa, sob esses escombros da velha sociedade capitalista, edificar uma sociedade verdadeiramente socialista que, em irmandade com outros povos do mundo, possa fazer a transição ao comunismo.

Aliança Revolucionária dos Trabalhadores

Brasil, 09 de agosto de 2024i

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